Alzheimer - diagnóstico precoce permite retardar evolução da doença em estágio mais leve
ENTREVISTA - DR. ALESSANDRO FERRARI JACINTO, MÉDICO GERIATRA
ZENTA: O que é doença de Alzheimer? O que são demências?
ALESSANDRO FERRARI JACINTO: A doença de Alzheimer é um dos tipos de demência. Então já fazendo um link com essa próxima pergunta sobre o que são demências, elas são síndromes, que são condições em que um conjunto de sinais e sintomas são devidos a uma causa específica. Então, quando falamos o termo demência, estamos falando de uma síndrome, então precisamos procurar qual é a causa dessa síndrome. A causa principal e a mais frequente de demência é a doença de Alzheimer. E na doença de Alzheimer o que a gente percebe é um depósito de uma substância chamada proteína beta-amiloide fora dos neurônios, entre os neurônios, e o acúmulo de uma proteína chamada proteína Tau, que fica dentro dos neurônios. Então a beta-amiloide fica fora dos neurônios, formando as placas senis, e a proteína Tau fica dentro dos neurônios, formando os emaranhados neurofibrilares. Resumindo, isso vai causando uma destruição das sinapses do sistema nervoso central. Essa doença começa, em sua maioria, em uma porção do sistema nervoso central chamado hipocampo e córtex entorrinal, e, com tempo, isso vai se espalhando. Então a doença de Alzheimer é a causa mais frequente das demências. Há outras causas de demência como a demência vascular, a demência com corpos de lewi, demência frontotemporal, demência da doença de Parkinson e outras demência menos frequentes.
Z.: Quais são os seus principais sintomas?
A.F.J.: Então, os principais sintomas da demência da doença de Alzheimer, (este é o termo correto porque, lembrando, toda demência tem uma causa, então temos que especificar que no Alzheimer é a demência da doença de Alzheimer), os principais sintomas são, inicialmente, o esquecimento de fatos recentes. A gente chama de memória episódica recente, em que, por exemplo, a pessoa esquece o que aconteceu há poucas horas, ou o que aconteceu ontem, fatos. Pessoas que visitaram, ou acontecimentos na vizinhança, alguma coisa nesse sentido. Só que a memória tardia está preservada. Então ela lembra dos fatos passados, de um passado longínquo, isso no início da doença. Com o passar do tempo, a demência da doença de Alzheimer vai evoluindo e outros domínios cognitivos vão sendo alterados, como, por exemplo, linguagem, cálculo, habilidade visuoespacial e as funções executivas. Vale falarmos mais sobre as funções executivas, que é aquilo que nós fazemos no dia-a-dia em termos de planejamento para executar uma tarefa. Então, para eu fazer um prato específico eu tenho que saber que existem tais ingredientes, se eles têm na sua casa ou não, como eles serão misturados, em que tempo eles serão preparados no fogão. Se eu não tenho algum ingrediente em casa, por exemplo, e preciso sair para comprar, então todo o planejamento em relação a fazer uma tarefa. Isso também está então com o passar do tempo alterado na demência da doença de Alzheimer.
Z.: Quais são os estágios da doença de Alzheimer?
A.F.J.: Os estágios da demência da doença de Alzheimer são, grosso modo, três: leve, moderado e avançado. Leve é quando você tem apenas aquele tipo de esquecimento de fatos recentes e a pessoa ainda tem uma certa funcionalidade intacta. Vale lembrar que para gente dizer que a pessoa está no estágio leve, moderado ou avançado não tem a ver apenas com a cognição alterada, mas tem a ver com a funcionalidade do paciente. Porque, para você ter uma demência, você tem que ter alteração da cognição que leva à alteração da funcionalidade. Se eu não tenho essa associação, eu não tenho demência. Então a minha falta de memória, por exemplo, ou a minha disfunção executiva, está fazendo com que eu tenha dificuldades para exercer as tarefas do dia-a-dia e eu começo a precisar da ajuda de outras pessoas. Então, se eu precisar de pouquíssima ajuda, eu tenho uma fase leve; se eu preciso de mais ou menos ajuda, então eu tenho uma fase moderada; se eu preciso de muita ajuda, ou de ajuda para tudo nas fases finais, por exemplo, eu tenho uma demência avançada.
Z.: Como a doença evolui? Quais os medicamentos e hábitos que podem ajudar o paciente?
A.F.J.: A doença evolui nessas três fases, e a doença de Alzheimer tem uma característica de ter evolução lenta. Depende de caso a caso, mas, em geral, a evolução é lenta. Então lentamente eu vou perdendo essas habilidades cognitivas, eu vou ficando cada vez mais dependente, até o ponto de ficar totalmente dependente para as tarefas do dia-a-dia, que nós chamamos de atividades de vida diária. Isso acontece lentamente. E o que nós temos, na medicina, são drogas denominadas inibidores da acetilcolinesterase, que são três: a galantamina, e rivastigmina e donepezila. Essas drogas devem ser utilizadas em todo o percurso da doença, tanto nas fases mais leves quanto nas fases mais avançadas. É o que nós temos. Elas não agem de forma igual em todas as pessoas. Algumas respondem mais do que as outras. E mais do que melhorar o quadro, quando a gente introduz essas medicações, tentamos retardar a progressão da doença. Existe uma quarta medicação que se chama memantina, que a gente introduz em fases mais avançadas. A gente associa então aos inibidores da acetilcolinesterase, também com intuito de diminuir o avanço dessa doença. Além do intuito de diminuir o avanço da doença, tanto dos inibidores da acetilcolinesterase quanto da memantina, espera-se também que elas possam ajudar nas alterações de comportamento que essas pessoas acometidas podem ter. Então as pessoas já ouviram falar que quem tem a doença de Alzheimer pode ficar agressivo, ou perambular pela casa, ou querer ir embora, ou falar que aquela casa não é a casa dele, ou ficar muito apático, isso tudo pelo acometimento, então, da circuitaria do sistema nervoso central.
Z.: Existem formas de prevenção?
A.F.J.: A prevenção é um dos assuntos mais discutidos atualmente. Saiu um artigo recente na revista "The Lancet" em que os pesquisadores apontaram algumas variáveis que podem estar associadas às pessoas terem com uma maior frequência, uma maior chance, de ter demências no futuro, por exemplo como a demência da doença de Alzheimer. Eu vou citar só alguns desses fatores de risco. Por exemplo, inatividade física ou sedentarismo, poluição do ar, tabagismo, hipertensão, diabetes. E é sempre muito bom lembrar que escolaridade tem a ver com um fator de risco para desenvolver ou não demência no futuro. Agora, o que pode ser feito, é você tentar eliminar da sua vida esses fatores de risco. Então, se você fuma, parar de fumar; se você é sedentário, começar a fazer atividade física; comer melhor, melhorar o seu colesterol, controlar o seu diabetes, controlar a hipertensão, manter a sua mente ativa e assim vai.
Z.: O diagnóstico precoce pode ajudar nisso?
A.F.J.: Sim, pode ajudar porque, quanto mais precocemente você introduz as medicações, você pode retardar esse processo em um processo mais leve. Melhor você retardar a doença enquanto ela está no estágio leve, do que em um estágio mais avançado. O diagnóstico precoce pode ajudar não só na questão física, mas também na questão do planejamento. A gente sabe que uma pessoa com demência não será mais capaz de tomar decisões, ou seja, ela pode perder autonomia. Além de perder a funcionalidade, pode perder autonomia. Devido à cognição alterada, não terá mais condições de decidir. Por exemplo, questões relacionadas a heranças familiares, questões relacionadas a dirigir, assinatura de documentos, etc. Então você fazer um planejamento dessa pessoa o mais precocemente possível pode ser bastante benéfico.
Z.: Como a genética, os hábitos em geral e a idade podem desencadear ou acelerar o Alzheimer?
A.F.J.: Embora a gente saiba que existem famílias em que é mais frequente casos de doença de Alzheimer, ao mesmo tempo, também têm famílias em que você tem um caso esporádico somente. Então é difícil você dizer qual é o peso da genética como fator de risco para a Doença de Alzheimer.
Alguns tipos de doença de Alzheimer chamadas demências pré-senis, que são Alzheimers que começam bem precocemente, antes dos 60 anos, às vezes com 30, 40 anos, esse sim tem uma genética muito bem determinada, com vários casos na família concomitantes. Mas, a grosso modo, nesse Alzheimer que a gente mais ouve falar, que é na idade mais avançada, essa genética não está muito bem estabelecida, embora a gente saiba que, em algumas famílias, isso é mais frequente.
Em relação a hábitos, vale o que comentamos na parte de prevenção.
A idade é o principal fator de risco para o Alzheimer. Então quanto mais a pessoa vive, maior a chance dela ter Alzheimer. No geral, costumamos dizer que a partir dos 65 anos você tem uma certa prevalência de Alzheimer; aos 70, essa prevalência dobra; aos 75, dobra mais uma vez, então ela vai dobrando a cada cinco anos a partir dos 65 anos de idade. Então tem gente que fala que se você não teve Alzheimer até os 90 anos você não vai ter mais, isso não é verdade. Aí você tem maior chance de ter a demência da doença de Alzheimer.
Z.: As atividades que estimulam o cérebro podem retardar o processo de Alzheimer? Que tipo de atividades são recomendadas?
A.F.J.: As atividades intelectuais podem ajudar nas fases mais leves. Existe uma condição chamada comprometimento cognitivo leve, em que a pessoa tem uma queixa sobre a cognição dela, outras pessoas que convivem com ela também se queixam disso em relação ao paciente, mas ela não tem alteração da funcionalidade, portanto ela não tem demência. Então, nesses casos de comprometimento cognitivo leve, essas atividades intelectuais, como reabilitação cognitiva, que é o nome indicado, podem ajudar, ou mesmo nas fases mais leves da demências. Não há estudos e a gente percebe no dia-a-dia que em fases mais moderadas e avançadas essas atividades intelectuais acabam não sendo tão efetivas na progressão da doença.
Z.: Como estão as pesquisas para a cura?
A.F.J.: O Alzheimer é uma das doenças em que, por exemplo, o governo americano mais gasta dinheiro em relação à procura de um tratamento eficaz ou uma cura. E por que? Um paciente com demência, um paciente com Alzheimer, custa muito não só para família, como para o sistema de saúde também. Ele acaba sendo mais dependente, ele precisa de cuidador, tem mais internações, ele tem alterações comportamentais, tem internações mais longas. Então, nesse sentido, se você tem o tratamento realmente eficaz ou mesmo uma cura é de grande importância e interesse para os governos dos diferentes países.
Mas resumindo, a cura está muito longe de ser algo viável. Os estudos mais avançados usam anticorpos monoclonais, que são drogas que agem de uma forma direta naquele processo patológico que eu falei para vocês, das proteínas beta-amiloides, mas eles não mostraram cura. Mostram melhora, mas mostram melhoras em fases mais leves, acabam não mostrando tanta melhora em fases mais avançadas.
Z.: A doença de Alzheimer impacta não só a vida do paciente, mas todas as pessoas ao seu redor. Que orientação daria a familiares de pacientes? E aos cuidadores, quais seriam as dicas?
A.F.J.: Eu diria que o pior do Alzheimer é para quem cuida. Quem cuida, realmente, acaba adoecendo muitas vezes, adoecendo psiquicamente e fisicamente. Na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), na disciplina de Geriatria e Gerontologia, nós temos um ambulatório chamado "Ambulatório para Cuidadores", em que nós atendemos especificamente cuidadores, a gente cuida da saúde de quem cuida. E, certamente, mais da metade desses cuidadores que são acompanhados no nosso ambulatório cuidam de pessoas com demência. É muito importante ler sobre o que é a demência, sobre o que você pode esperar da evolução da demência, e procurar ajuda no sistema público ou mesmo no sistema privado de especialistas, para você saber onde está pisando, o que você pode esperar e se cuidar.
Muitas vezes, eu sempre dou um exemplo clássico, em que um paciente fica agressivo. Por exemplo, ele acaba agredindo fisicamente a pessoa que cuida dele. Tem gente que não entende, tem gente que, no estresse do momento, acha que o paciente fez aquilo por querer, mas não fez. Então há uma vasta literatura dizendo como lidar com situações como essa.
Eu escrevi um livro, junto com a jornalista Marisa Folgato, em que coletamos informações e depoimentos de famílias de diferentes estratos sociais, desde famílias que cuidam de pessoas com demência na favela até famílias mais abastadas. O livro se chama "Alzheimer: A doença e seus cuidados'', publicado pela Editora Unesp. Inclusive nós fomos agraciados com o prêmio de primeiro lugar do prêmio (ABEU) da Associação Brasileira de Editoras Universitárias, de 2018, no subitem Ciências da Vida. É um livro bastante interessante, em que em cima dos depoimentos das famílias, eu entro com a parte médica explicando como você deve proceder, o que pode ser feito, etc.
Alessandro Ferrari Jacinto é Professor Adjunto - Disciplina de Geriatria e Gerontologia - Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Co-autor do livro "Alzheimer: A doença e seus cuidados'', publicado pela Editora Unesp.
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