Marina Rejman conta sobre o valor da experiência para a nova atuação profissional. Confira:
ZENTA: Qual foi a sua grande "virada de mesa"? O que mudou? Em que idade e fase da sua vida isso ocorreu?
MARINA REJMAN: Foram duas viradas. Psicologicamente falando, foram duas grandes transformações, pois as fases anteriores estavam enraizadas, e as mudanças foram extremadas.
A primeira grande virada foi de executiva para empreendedora, aos 45 anos. Na prática, isso é extremamente intenso, pois o empreendedor tem um perfil psicológico completamente diferente de quem é funcionário de empresa. E fazer esta transição, depois de 25 anos trabalhando em empresas, para ter um negócio próprio, é muito mais desafiador do que se pode imaginar, pois é um outro universo. Quando fiz a mudança, toda a rede de apoio (os departamentos especializados das grandes corporações) desapareceu de um dia para a noite, e uma nova rede teve que ser construída. Todo o budget grande de uma multinacional desapareceu e cada investimento da minha nova empresa utilizava minhas economias pessoais. Do dia para a noite, desapareceu o prestígio de um sobrenome corporativo famoso. E muitos outros detalhes. Exemplos? Quando o primeiro cliente da minha empresa falou:
- “Ok. Quero comprar, então MANDA O CONTRATO”.
- “Claro" (vibrei emocionada), "eu já te mando o contrato”. Então sozinha redigi meu contrato (eu sou publicitária, não advogada!) com o que encontrei de referência na internet e me senti muito insegura por não ter um bom advogado revisando. Que saudades senti do departamento Jurídico da empresa! E isso foi só o início, seguido de diversas vezes que me vi resolvendo assuntos que antes eram solucionados por especialistas com quem eu contava. Foi só com muito trabalho que fui formando uma nova rede, com amigos, parceiros, free-lancers e outros, que vamos incorporando ao longo da jornada empreendedora, mas difícil ter a quantidade de especialistas que existem em uma organização multinacional. E, na empresa, o modelo era sempre de contratação. Em contraste, já como empreendedora, o modelo é muito mais de parcerias. Isso também leva tempo para entender e mudar a forma de trabalhar. Antes, era pedir orçamento e pagar. Depois, precisava entender que valor eu poderia agregar para algum parceiro de trabalho para realizar uma permuta, por exemplo.
Mas a maior mudança é psicológica, para um novo “mindset”. Nas empresas, quando outros executivos vinham conversar comigo sobre novos projetos, se eu achasse que o projeto era realmente bom e que iria trazer resultados para a empresa, eu topava. Então, o comum era estar envolvida em muitos projetos simultâneos. Quando abri a minha empresa, diversas pessoas vinham com ideias legais e eu também fui me envolvendo. Quando me dei conta, eu, que agora era uma empresária e deveria me envolver em projetos com rentabilidade para a minha empresa (afinal eu não tinha mais um salário no final do mês e todos os benefícios), vi que estava envolvida em várias coisas que não eram exatamente rentáveis, e as contas geradas pela empresa iriam chegar de qualquer forma. Diante de toda a minha vida de trabalho, o meu cérebro tinha sido treinado para pensar assim: projeto bom, com Retorno sobre Investimento (ROI) positivo para a empresa, eu topo. E agora, que minha estrutura era pequena, eu tinha que priorizar muito mais que anteriormente. O tempo todo, antes de embarcar em algo, eu tinha que pensar: “Será que isso é melhor do que as outras formas que eu tinha pensado para trazer resultados para a minha empresa?" Então vi a grande diferença psicológica e comportamental: enquanto o executivo tem que ser multitasking, com vários projetos simultâneos (eu tinha de lançamento de produtos de Varejo para o mercado do México até produtos para o segmento de Segurança Pública na Argentina), um empreendedor tem que ter FOCO absoluto. Tem que ser UM PROJETO. “O PROJETO”. Consistente. Robusto, bem trabalhado e com foco total para que ele dê certo.
Z.: Como foi o processo para essa mudança? Como se preparou para estas viradas?
M.R.: A carreira que eu tinha definido para minha vida, desde a adolescência, foi ser profissional Executiva de Marketing de Corporações Globais. Então eu me preparei, fiz algumas faculdades no Brasil, programa de extensão na Universidade da Califórnia, MBA da FIA, estudei cinco línguas e mais algumas coisas, pois nada é sem esforço. E foram mais de 20 anos em multinacionais americanas. E então, em 2013, aos 45 anos, decidi que era o momento de fazer outra coisa da minha vida. Eu não tinha a menor ideia de como seria uma nova fase. Entretanto, sabia que eu tinha completado totalmente a anterior. E para essa virada, como não é fácil passar por um processo de mudança, eu fiz coach para criar coragem e pedir demissão do meu emprego de mais de 15 anos (eu era gerente de Marketing da Motorola Solutions no Brasil e América Latina, e antes trabalhei na Philip Morris com a marca Marlboro, por cerca de quatro anos).
Passei o ano de 2013 no que depois vi que as pessoas chamam de “Sabático” (eu nunca tinha pensado em fazer isso). Pela primeira vez na vida, eu tive TEMPO. Conversei com muita gente, participei de inúmeros eventos de temas antes impensáveis, e passei a ler e pesquisar como nunca. Acho que muito do que várias pessoas estão sentindo agora na pandemia. Só que este meu processo foi em 2013, no auge das mudanças que a digitalização provocou em nossas vidas. Muitas startups bombando, novos aplicativos, crescimento do Big Data e todas as novas possibilidades trazidas pela Inteligência Artificial. E vi claramente dois mundos paralelos simultâneos: por um lado, as pessoas nas empresas continuavam com suas atividades, como sempre; por outro, novas tecnologias, novos comportamentos, nativos digitais e novas formas de se trabalhar.
Então, depois de um ano sabático, entendi que meu novo papel poderia ser justamente uma facilitadora entre estes dois mundos. Criei a minha empresa, chamada Sala de Cultura, com cursos e treinamentos ministrados por especialistas, que mostram para quem trabalha, o que existe de novo e pode ser incorporado para novos patamares de resultados. Gerar aprendizado até para as empresas não morrerem, como ocorreu com a Kodak, que foi atropelada pela inovação.
Z.: Quais as principais dificuldades que enfrentou?
M.R.: Eu não sou uma pessoa “moderninha” como o pessoal das startups. Os millennials são nativos digitais e têm facilidade tecnológica que eu não tenho. Mas o meu valor, por ter trabalhado tantos anos no universo corporativo, está em conseguir observar como as novidades e tendências servem para as empresas. Então esta se tornou a minha área de interesse. Poder ter entendimento de mundo, o que está ocorrendo, quais são os novos comportamentos das pessoas, e que mudanças podemos fazer na nossa vida e no nosso trabalho para termos os resultados que queremos.
Então, a maior dificuldade foi justamente essa: sair da “zona de conforto”, que era o corporativo, e mergulhar em um outro universo totalmente distinto, desde a tecnologia até o perfil das pessoas, que são bem mais jovens do que eu. Mas quando as pessoas entendiam que eu queria ser a ponte entre esses mundos, todos sempre apoiaram. Mas imaginem quanta vergonha eu passei, e ainda passo, fazendo um monte de “perguntas ingênuas”, tentando entender um assunto novo, para ver como ele pode ser aproveitado de forma mais ampla...
Z.: Quais os principais apoios/companhias/inspirações para conseguir?
M.R.: Quando fiz a mudança, eu fiquei preocupada se eu estava “voltando para a estaca zero”, se depois de 25 anos de trabalho, eu iria iniciar do zero agora, ao empreender. Várias vezes eu pensei: "será que sou louca e estou jogando uma 'vida toda, uma carreira tão batalhada', na lata de lixo"? Se tem algo que quero deixar para os leitores do Zenta que podem se identificar com a minha história, é que vi na prática que, quando fazemos uma mudança, não voltamos para a estaca zero de jeito nenhum. Nós partimos exatamente do ponto onde estávamos na fase anterior. E senti isso com o apoio de todas as pessoas com quem fui conversar. Para montar os treinamentos da Sala de Cultura, busquei os melhores especialistas em cada área em São Paulo. Eu pensava que eles poderiam me tratar como uma iniciante. Mas quando eu explicava o que eu estava construindo, todos viram que era alguém com bagagem, experiente. Era o início de um novo negócio, mas não era uma pessoa amadora. Tanto que consegui formar uma rede incrível, com professores de MBA, muitos doutores, diversos especialistas como a Dra. Mayana Zatz, compartilhando seus conhecimentos sobre Genoma, a Ana Carla Fonseca da ONU, ensinando Economia Criativa, e inúmeros outros parceiros que são referência em suas áreas. E quando visitava potenciais clientes, como diretores de RH e presidentes de empresas, eu era muito respeitada pela minha experiência, que eles percebiam pelo diálogo.
E não posso deixar de mencionar a importância do apoio familiar. Eu estava “largando o certo pelo incerto” e só dá para fazer isso se você tem um cônjuge que tope a “loucura” junto com você.
Z.: E os maiores benefícios que conquistou?
M.R.: Os dois maiores benefícios desta 1ª. etapa de mudança, me levaram a uma segunda mudança. Um grande benefício foi a elevação da autoestima, por eu ver que algo que eu visualizei e planejei se tornou realidade e deu certo. E o segundo foi uma grande ampliação nas áreas de conhecimento.
De 2014 a 2019, na Sala de Cultura, eu coordenei treinamentos para executivos e empreendedores, com grandes especialistas. Foram seis anos, onde eu acompanhei TODAS as aulas!!! Além de estar nas aulas, eu trabalhava com os professores no preparo dos temas, para que fossem sempre bem relevantes para os participantes. Além disso, continuei a participar de eventos e atividades que me mantém informada das mudanças de mundo e como a inovação pode ajudar as pessoas.
Então, em 2019, veio a 2ª. virada!!
Passados seis anos como empreendedora, chegou um momento onde senti que eu poderia realizar uma atividade com ainda mais propósito. Vi que muitos negócios são rentáveis, ao mesmo tempo em que trazem benefícios para todas as pessoas de uma forma mais ampla. Nas aulas da Sala de Cultura, todos os participantes insistiam que eu deveria começar a compartilhar tudo o que eu estava aprendendo, de alguma forma, nas mídias sociais. Insistiram tanto que eu fui pensar qual seria o modelo que eu me sentiria melhor em utilizar. Como não sou boa de falar de improviso, achei que o Youtube, onde posso gravar e editar os vídeos, seria a minha linguagem ideal. Então, combinei os dois benefícios que mencionei antes, aumento da autoestima (imagina se antes, uma pessoa tímida como eu iria topar fazer vídeos que nos expõe tanto) e o conhecimento de como a inovação pode ajudar realmente as pessoas. E, assim, foi a minha segunda virada. Hoje, meu trabalho é ajudar as pessoas a aproveitarem todas as mudanças do mundo, a favor delas. Faço isso por meio de aulas e palestras, agora na pandemia transformadas em treinamento virtual e, principalmente, no Canal de Youtube da Sala de Cultura. Eu me tornei 100% digital, com outra linguagem e outro timing, muito do que as pessoas estão passando agora na pandemia também. É toda uma outra linguagem. E acho muito engraçado me ver agora na fase do “Zenta” falando como os demais youtubers: “INSCREVA-SE no Canal, marque o Sino e dê like no vídeo”. Aliás, conto com a força de todos vocês do “Zenta” se INSCREVENDO no Canal da Sala de Cultura, me dando apoio e também aproveitando os diversos assuntos que compartilhamos lá!
Não sei se é um benefício, mas algo que percebi é que antes, eu era a Marina da empresa X. E este sobrenome de uma empresa multinacional pesava a meu favor. Se eu ligasse para uma empresa para solicitar um orçamento, era atendida prontamente, com tratamento de “rainha”. Quando abri minha empresa e fiz as primeiras cotações, percebi que o tratamento era completamente diferente, por ser uma desconhecida. Mas hoje, passados alguns anos, tenho satisfação em ser a Marina Rejman. Quem me conhece, me conhece pelo meu valor pessoal. Quando alguém me recomenda, seja para uma palestra, um treinamento ou para assistirem o meu canal, recomendam a Marina. E o bom é que hoje transito bem entre os três ambientes. Esta experiência e maturidade tornaram possível não mais estranhar nenhum destes universos e estar sempre misturando todos eles. Sou feliz realizando atividades no universo corporativo que eu adoro, coordenando os treinamentos da Sala de Cultura (agora na pandemia sempre on-line) e me divertindo muito com a construção do Canal da “Sala de Cultura” no Youtube.
Z.: O que você falaria para alguém que pensa em "virar a mesa"?
M.R.: Faça um bom planejamento, com muito FOCO e metas realistas. E, antes de virar a mesa, tenha uma boa reserva financeira, pois normalmente leva muito tempo até a virada começar a dar frutos. Se possível, faça um processo de transição, iniciando o novo negócio em paralelo ao seu atual, para você ir testando modelos. Eu não consegui fazer isso, pois ser executivo em uma empresa toma todas as horas de uma pessoa! Mas seria o ideal.
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